sexta-feira, agosto 11, 2006

 
Querida prima,

Nós por cá todos bem, e desta vez as hemorróidas não afectaram ninguém. Rima e é bem verdade. A avó lá resolveu o problema dela com gelo. Enfim, modernices que lhe ensina a Mariazinha. Ainda no outro dia começou a falar à velha no swing, mas a avó diz que não vai em danças.

Não te preocupes por demorares mais tempo a escrever. Eu sei que a disponibilidade para o fazer será cada vez menor. Eu também já tinha recebido a tua carta há alguns dias, mas tenho andado ocupado. Tenho ajudado o Justino lá na Junta a instalar umas aparelhagens estranhas. Ele diz que aquilo é para fazer uma rádio, já que aqui só conseguimos apanhar a Renascença e, como diz o Justino, «de missa já me basta o domingo».

Então tu perdes o emprego por causa de uma crise de choro? Nada de chorar, mulher! Tens que ser forte. Também eles não foram nada simpáticos em mandar-te logo embora, mas talvez até tenha sido melhor, porque quem faz isso só por causa de umas lágrimas não pode ser bom patrão. Vê o lado positivo: se te tivesse dado a tua diarreia nervosa era bem pior. Lembras-te daquela vez na primeira comunhão? Até o padre gritava «ai meu Deus». Já só me consigo lembrar que o teu vestido teve de ser queimado, tal era a dificuldade em tirar as nódoas e o cheirete.

Agora corre aqui o rumor que afinal a Mariazinha não lê a Bíblia ao padre, mas está sim a ajudá-lo nas obras da sacristia. No outro dia o padre devia estar a pendurar uns quadros, porque o Justino ouviu a Mariazinha a gritar «mais para a esquerda. Isso, é aí. Agora força, força! Martele!».

Está descansada com o Manel porque ele não te anda a trair. Ele não teve tempo porque foi com mãe ao hospital. A culpa foi de um osso de frango que ficou na garganta da D. Hortense. Havias de vê-la toda aflita a gritar «ai que me engasgo» e «ai que ficou entalado». Era de fazer uma pena que nem te digo.

Eu vou andando por cá, sempre na mesma. Tenho é uma novidade: ando com uma moça debaixo de olho. Ainda no outro dia lhe paguei uma mini. Depois conto pormenores se isto der certo, ou se lhe pagar mais alguma coisa.

Para não dizeres que só leio jornais de porcaria, resolvi começar a ler o dicionário. Como aquilo dá um sono tremendo, só consigo ler umas duas ou três frases. Ainda assim, já aprendi palavras novas. Estou a ficar mais culto.

Adeus e um ósculo do primo Augusto.

PS – tirei esta do «ósculo» lá do dicionário.

terça-feira, agosto 01, 2006

 
Querido primo,

Nós por cá todos bem, mas ainda te escrevo muito irritada. Vê lá tu que a tua carta chegou já há uns dias, mas o porteiro foi de férias e ninguém sabia quem eu era, por isso devolveram a carta para um posto dos CTT que fica longe para caramba e só passados uns dias é que recebi um aviso para ir lá levantar uma encomenda, só que como não tinha encomendado nada não fui logo lá, e agora é que percebi que era carta tua.

Fiquei muito preocupada com as hemorróidas da avó. Como é que ela está agora? Eu, às vezes, com os nervos também sou atacada por males que só me visitam nas alturas menos próprias, como as crises de choro que agora tanto tenho tido, sobretudo por estar longe de todos vocês e que já me valeu o meu primeiro emprego aqui. Vê lá tu se não era razão para eu desatar a chorar. Dois dias depois de ter ido à entrevista na fábrica dos queijos, chamaram-me. Fiquei toda contente, mas assim que comecei no serviço, inquietada, fui perguntar de onde é que vinha o leite, já que não via vacas ou ovelhas em lado nenhum. Acharam que me estava a meter em assuntos que não devia e despediram-me logo. E, pronto, lá tive uma crise de choro, porque afinal até estava a gostar e nem me deram hipóteses de mostrar que sou trabalhadeira.

Seja como for, já respondi a mais uns quantos anúncios e, enquanto não aparecer mais nada, ajudo a D. Adelaide, que já está quase boa do pé, aqui na pensão!

Sabes uma coisa que achei engraçado na tua carta? É que aqui também devem ter o hábito de ler a Bíblia alto. Acho que até fazem sessões de grupo. Como sabes aqui as paredes são mais finas e, no silêncio da noite, conseguimos ouvir os vizinhos e já aconteceu ouvir a senhora do 2.º esquerdo a gritar «Ai meu Deus». O estranho é que um ou dois dias depois, a mesma senhora recebeu um casal amigo lá em casa e devem ter estado a rezar juntos, porque apesar de não se perceber muito bem o que diziam, suspiravam bastante, pelo que penso que estivessem em oração.

Ainda não recebi carta do Manel da Hortense. Achas que ele anda a fazer pouco de mim? Como estás aí mais perto dele, queria pedir-te, primo do meu coração, se andavas de olho nele. Sem te querer ofender, sei que os homens não podem ver um rabo de saias que vão logo atrás, por isso, tenho algum receio que ele me troque pela Amélia. Se ele se portar mal contas à prima? Aqui as moças são bem jeitosas, vais ver quando cá vieres.

Agora tenho de ir. Desculpa se te preocupei. De qualquer maneira, como se costuma dizer, as más notícias voam, por isso, se tivesse acontecido alguma coisa já saberias.

Um beijo saudoso da Josefina

segunda-feira, julho 17, 2006

 
Querida prima,

Nós por cá todos bem, menos a avó porque lhe saltou uma hemorróida. Foi o cabo dos trabalhos, nem te digo…

Manda as minhas melhoras à D. Adelaide. Não deve ser nada bom levar com um prego em cima do pé. Uma vez, não sei se te lembras, aconteceu-me espetar um pionés no pé e já doeu como tudo, imagino um prego. Como é que o tiraram? Com aquela parte de trás dos martelos ou com um alicate? Quando me aconteceu aquilo do pionés, não sei se te lembras, tive que o tirar com aquela coisa que parece a boca de um animal e serve para tirar os agrafos. Lembras-te?

Mas tu já tens joanetes? Não sabia. Pensei que isso era só coisa de velhas e de beatas. Por falar em beatas, perguntei aquilo dos cegos à prima Mariazinha mas ela diz que também não sabe o que isso quer dizer. Eu acho que ela sabe, mas deu-me aquela resposta para me despachar. Parece que ela já estava atrasada para ir ajudar o senhor padre com as coisas dele. A Mariazinha agora ajuda o padre pela noite fora e, às vezes, até ao dia seguinte. Acho que eles fazem leituras da Bíblia a noite toda. No outro dia o Justino da Junta ia a passar pela sacristia e ouviu a Mariazinha a gritar «Ai meu Deus». Como o senhor padre é surdo que nem uma porta sem maçaneta, a Mariazinha deve ler-lhe a Bíblia a gritar.

Realmente não sei que é o Lobo Antunes. Não acho é justo que digas que só leio a Bola e o Crime. Primeiro, o café, que como sabes é onde lemos os jornais, agora já só tem o Correio da Manhã. Segundo, farto-me de ler o Borda D’Água todas as noites, e até já o sei na ponta da língua. Terceiro, todos os dias tenho que ler o panfleto do remédio para as hemorróidas que a avó usa. O raio da mulher pede sempre para lhe ler os efeitos secundários. Já lhe disse que o remédio não provoca comichão no peito nem afrontamentos, mas ela não me liga.

Eu e a Maria Ceifeira um lindo casal!? Ainda não tiraste essa ideia da cabeça? A mulher é insuportável, é mais velha e tem mais bigode do que eu. Já viste que se nos juntássemos era uma fortuna em lâminas de barbear? A única coisa boa que ela tem são os dentes. São os dois muito bonitos e perfeitinhos. Mas isso é a única coisa. Deus me livre! Não fazia um casal com ela nem que a porca mugisse!

Vê se consegues agarrar esse emprego de embaladeira. Parece ser uma coisa com futuro, porque nunca se vai deixar de comer queijo e é sempre preciso alguém que os embale.

Está descansa que já dei a tua morada ao Manel da Hortense. Ficou todo maluco e diz que vai pedir à professora para o ajudar a escrever uma carta toda bonita. Depois diz se a carta dele foi do teu agrado.

Agora tenho que ir porque a avó está a chamar. Diz que lhe saltou outra. Rais parta!

Beijinhos do primo Augusto

terça-feira, julho 11, 2006

 
Primo Augusto,

Nós por cá todos bem, à excepção da D. Adelaide, a senhora da pensão que me alugou o quarto, muito simpático por sinal, para eu ficar até arranjar outra coisa melhorzita, que deixou cair uma tábua em cima do pé e, vê lá a pontaria que ela tem, que deixou cair o lado da tábua que tinha o prego mesmo em cima do pé. O marido dela bem lhe disse para ela não ter a mania de ser sempre uma sacrificada, mas nem Cristo lhe valeu e teve de levar 4 pontos.

Eu cá vou andando. Tenho andado um bocadinho aflita dos meus joanetes, por andar tanto. Aqui é quase como aí, ando, ando, ando, mas é tudo muito longe. Já me disseram que há umas camionetas que se podem apanhar e que é mais rápido, mas ainda tenho de me informar melhor sobre isso, porque não quero ser enganada. É que aqui há muitas, estão sempre a passar de um lado para o outro e vá que eu me engane e vá parar a algum sítio estranho? Já me avisaram que: em terra de cego, quem tem olho é Rei, mas por aqui até não há muitos cegos, por isso, não sei muito bem o que é que isto quererá dizer. Achas que podes perguntar aí à prima Mariazinha se ela sabe?

E tu, às vezes, pareces mesmo que és bimbo. Ó homem, o Lobo Antunes de que te falei na outra carta é um que era médico e depois se dedicou à escrita. Certamente que assim deve ganhar mais dinheiro… Depois empresto-te o livro para leres, se bem que como tu és, que só gostas de ler A Bola e o Crime, não sei bem se vais gostar e aviso já que não é para ficares com o livro para sempre, como fizeste com aquele CD de música que o primo Chico trouxe de França para mim.

Já me ia esquecendo. Tens de me contar das tuas peripécias com a Maria Ceifeira. Sabes que a prima continua a achar que vocês davam um belo casal, não sabes? O que eu gostava de te ver de cravo na lapela, à espera que a Ceifeira entrasse pela capelinha da Nossa Senhora da Agonia de véu e grinalda, como manda a tradição. Mas para casamenteira já temos a nossa querida Teresa Guilherme, não é?

Em relação ao emprego ainda não há novidades, mas hoje já fui a uma fábrica de queijos frescos, onde precisavam de uma embaladeira, pelo que na próxima carta espero já ter boas notícias.

Até lá, fico à espera que me digas como estão todos por aí. Já agora, se te cruzares com o Manel da Hortense dá-lhe a minha morada, para ele me escrever se quiser.

Beijinhos da prima Josefina

segunda-feira, julho 10, 2006

 

Querida prima,

Nós por cá todos bem, espero que por aí também. Que bom foi receber a tua carta tão rápido! Desejo mesmo que essa seja a terra encantada que tanto desejas, mas que não seja Óliwood porque aí só acontecem desgraças e as pessoas andam sempre bêbadas e drogadas.

Dizes que aí existem muitos prédios, e que um igual dava para meter lá toda a nossa aldeia. Espero bem que isso não aconteça por aqui porque, com a sorte com que ando, ainda ficava com a Maria Ceifeira como vizinha de cima. Ela ontem andava outra vez armada em parva. Se não fosse o Justino da Junta tinha-lhe dado dois sopapos na cara.

Na tua carta falas também do Tóni que tinha os óculos de fundo de garrafa. Sabes que desde a festa de Nossa Senhora da Agonia nunca mais o vi? Parece que foi ter com a irmã a França e agora é pedreiro. Cegueta como é, deve andar a fazer os prédios todos tortos.

Não fui eu que pedi ao motorista para colocar essa cassete, mas bem que podia ter sido. Espero que me escrevas sempre que possas a contar as novidades da cidade. Eu vou tentar fazer o mesmo.

Na tua carta falas também de um tal de Lobo Antunes que andou na guerra. Não conheço. O único que conheço que foi para a guerra foi o Justino da Junta e ele veio de lá todo maluco, cheio de tatuagens e a gritar «eles vêm aí». Ainda ontem, quando eu estava quase a espetar os sopapos na Maria Ceifeira, ele gritou, bem alto, «eles vêm aí». Ela, não sei se assustada com o grito ou com medo que eles viessem mesmo aí, amainou e foi p’ra dentro de casa.

Como te disse, por aqui vai tudo na mesma desde que partiste. Andamos é um pouco tristes por te teres ido embora. A avó foi até acender uma vela na capelinha, mas como ela já não vê muito bem, ia queimando aquilo tudo. Valeu o Joaquim que ia a passar e lá resolveu o problema.

Que novidades contas? Escrevo-te para a pensão onde dizias ficar os primeiros dias. Já arranjaste outra casa? E emprego? Como é tudo por aí? Conta coisas!

Beijos do primo Augusto.


sexta-feira, julho 07, 2006

 
Caro primo,

escrevo-te ainda no autocarro que me vai levar para a terra encantada, onde todos os meus sonhos se vão tornar reais. Não é Óliwood, com aquelas letras brancas no cimo do monte como vimos nos filmes a que assistimos ao sábado à noite, mas tem muitos cartazes com anúncios espalhados pela rua e até há prédios, daqueles que dava para meter todos os nossos vizinhos lá dentro e ainda sobrava espaço, que têm uma das paredes com um anúncio gigante. Não sei se por viverem nestes ambientes mais agitados, as pessoas ficam com problemas de visão, mas espero bem que não, pois não gostava nada de ter de andar de óculos. Lembro-me sempre daquele nosso amigo a quem chamavam Tóni Cruse por ser tão feio e usar aqueles óculos que pareciam que eram feitos com os fundos das garrafas como aquela que atiraram no filme “Os deuses devem estar loucos”, lembras-te?


E nem a propósito da minha saída da aldeia, aqui no autocarro, ouve-se uma senhora a cantar: “Mande notícias do mundo de lá, diz quem fica…”. Foste tu que pediste ao senhor motorista para pôr esta cassete, para eu não me esquecer de ti? Podes ficar descansado que eu não me esqueço de ti e prometo ser como o Lobo Antunes que quando foi para a guerra escreveu aquelas cartas, que acabavam sempre da mesma maneira, à mulher, tá bem?


Beijos da prima Josefina!

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