terça-feira, agosto 01, 2006
Querido primo,
Nós por cá todos bem, mas ainda te escrevo muito irritada. Vê lá tu que a tua carta chegou já há uns dias, mas o porteiro foi de férias e ninguém sabia quem eu era, por isso devolveram a carta para um posto dos CTT que fica longe para caramba e só passados uns dias é que recebi um aviso para ir lá levantar uma encomenda, só que como não tinha encomendado nada não fui logo lá, e agora é que percebi que era carta tua.
Fiquei muito preocupada com as hemorróidas da avó. Como é que ela está agora? Eu, às vezes, com os nervos também sou atacada por males que só me visitam nas alturas menos próprias, como as crises de choro que agora tanto tenho tido, sobretudo por estar longe de todos vocês e que já me valeu o meu primeiro emprego aqui. Vê lá tu se não era razão para eu desatar a chorar. Dois dias depois de ter ido à entrevista na fábrica dos queijos, chamaram-me. Fiquei toda contente, mas assim que comecei no serviço, inquietada, fui perguntar de onde é que vinha o leite, já que não via vacas ou ovelhas em lado nenhum. Acharam que me estava a meter em assuntos que não devia e despediram-me logo. E, pronto, lá tive uma crise de choro, porque afinal até estava a gostar e nem me deram hipóteses de mostrar que sou trabalhadeira.
Seja como for, já respondi a mais uns quantos anúncios e, enquanto não aparecer mais nada, ajudo a D. Adelaide, que já está quase boa do pé, aqui na pensão!
Sabes uma coisa que achei engraçado na tua carta? É que aqui também devem ter o hábito de ler a Bíblia alto. Acho que até fazem sessões de grupo. Como sabes aqui as paredes são mais finas e, no silêncio da noite, conseguimos ouvir os vizinhos e já aconteceu ouvir a senhora do 2.º esquerdo a gritar «Ai meu Deus». O estranho é que um ou dois dias depois, a mesma senhora recebeu um casal amigo lá em casa e devem ter estado a rezar juntos, porque apesar de não se perceber muito bem o que diziam, suspiravam bastante, pelo que penso que estivessem em oração.
Ainda não recebi carta do Manel da Hortense. Achas que ele anda a fazer pouco de mim? Como estás aí mais perto dele, queria pedir-te, primo do meu coração, se andavas de olho nele. Sem te querer ofender, sei que os homens não podem ver um rabo de saias que vão logo atrás, por isso, tenho algum receio que ele me troque pela Amélia. Se ele se portar mal contas à prima? Aqui as moças são bem jeitosas, vais ver quando cá vieres.
Agora tenho de ir. Desculpa se te preocupei. De qualquer maneira, como se costuma dizer, as más notícias voam, por isso, se tivesse acontecido alguma coisa já saberias.
Um beijo saudoso da Josefina
Nós por cá todos bem, mas ainda te escrevo muito irritada. Vê lá tu que a tua carta chegou já há uns dias, mas o porteiro foi de férias e ninguém sabia quem eu era, por isso devolveram a carta para um posto dos CTT que fica longe para caramba e só passados uns dias é que recebi um aviso para ir lá levantar uma encomenda, só que como não tinha encomendado nada não fui logo lá, e agora é que percebi que era carta tua.
Fiquei muito preocupada com as hemorróidas da avó. Como é que ela está agora? Eu, às vezes, com os nervos também sou atacada por males que só me visitam nas alturas menos próprias, como as crises de choro que agora tanto tenho tido, sobretudo por estar longe de todos vocês e que já me valeu o meu primeiro emprego aqui. Vê lá tu se não era razão para eu desatar a chorar. Dois dias depois de ter ido à entrevista na fábrica dos queijos, chamaram-me. Fiquei toda contente, mas assim que comecei no serviço, inquietada, fui perguntar de onde é que vinha o leite, já que não via vacas ou ovelhas em lado nenhum. Acharam que me estava a meter em assuntos que não devia e despediram-me logo. E, pronto, lá tive uma crise de choro, porque afinal até estava a gostar e nem me deram hipóteses de mostrar que sou trabalhadeira.
Seja como for, já respondi a mais uns quantos anúncios e, enquanto não aparecer mais nada, ajudo a D. Adelaide, que já está quase boa do pé, aqui na pensão!
Sabes uma coisa que achei engraçado na tua carta? É que aqui também devem ter o hábito de ler a Bíblia alto. Acho que até fazem sessões de grupo. Como sabes aqui as paredes são mais finas e, no silêncio da noite, conseguimos ouvir os vizinhos e já aconteceu ouvir a senhora do 2.º esquerdo a gritar «Ai meu Deus». O estranho é que um ou dois dias depois, a mesma senhora recebeu um casal amigo lá em casa e devem ter estado a rezar juntos, porque apesar de não se perceber muito bem o que diziam, suspiravam bastante, pelo que penso que estivessem em oração.
Ainda não recebi carta do Manel da Hortense. Achas que ele anda a fazer pouco de mim? Como estás aí mais perto dele, queria pedir-te, primo do meu coração, se andavas de olho nele. Sem te querer ofender, sei que os homens não podem ver um rabo de saias que vão logo atrás, por isso, tenho algum receio que ele me troque pela Amélia. Se ele se portar mal contas à prima? Aqui as moças são bem jeitosas, vais ver quando cá vieres.
Agora tenho de ir. Desculpa se te preocupei. De qualquer maneira, como se costuma dizer, as más notícias voam, por isso, se tivesse acontecido alguma coisa já saberias.
Um beijo saudoso da Josefina